quinta-feira, 10 de maio de 2012



Regresso
Regresso às fragas de onde me roubaram.
Ah! Minha serra, minha dura infância!
Como os rijos carvalhos me acenaram,
Mal eu surgi, cansado, na distância!

Cantava cada fonte à sua porta:
O poeta voltou!
Atrás ia ficando a terra morta
Dos versos que o desterro esfarelou.

Depois o céu abriu-se num sorriso,
E eu deitei-me no colo dos penedos
A contar aventuras e segredos
Aos deuses do meu velho paraíso.

                                                                                                    Miguel Torga (Diário VI)


A diversidade geológica está presente à nossa volta, mas por vezes, não reparamos nela. A nossa própria vida, é possibilitada a partir de recursos e oportunidades que a geodiversidade nos permite (Nordic Council of Ministers, s.d.). Para além do interesse económico, recreativo ou de uso (por exemplo, dos solos), é curiosa a relação que, tradicionalmente, as populações estabeleciam com as suas serras, fragas, penedos, e as representações sociais e culturais daí decorrentes, tão bem retratadas em obras de autores como Miguel Torga ou Vergílio Ferreira.

A geodiversidade permite-nos conhecer, compreender e explicar as variações que encontramos nas rochas, depósitos superficiais, formas terrestres e processos geológicos complexos, que têm lugar na camada mais superficial do nosso planeta: a Crosta Terrestre. Deste modo, as Ciências da Terra, não se restringem à Geologia, mas englobam também, a Geomorfologia, a Meteorologia, a Climatologia, Hidrologia e Oceanografia (Diversity in Nature, s.d.).

A diversidade biológica serve de substrato a grande parte de espécies vivas. Assim, partindo da constatação de interações entre os processos biológicos e os geológicos e físico-químicos, a Geobiologia apresenta-se como área de integração entre os organismos e seus processos metabólicos, em combinação com vários parâmetros abióticos. Consequentemente, a Geobiologia, estabelece uma abordagem relacional entre as Ciências Biológicas e as Ciências da Terra. (Comissão Nacional da UNESCO, 2007).

Ameaças à Geodiversidade
Uma vez que a diversidade geológica é muitas vezes menos considerada do que a diversidade biológica, algumas pessoas podem não estar tão sensibilizadas para o que a ameaça e para a necessidade de preservá-la.

Enquanto algumas dessas ameaças são diretas, outras são indiretas: (Brilha, 2005)
  • Perda total de um elemento de geodiversidade, ou perda parcial, ou dano físico.
  • Fragmentação do interesse (comummente, alguns sítios apresentam-se como “mais interessantes” do que outros).
  • Perda de visibilidade e/ou perda de acesso.

As ameaças mais frequentes são:
  • Poluição.
  • Exploração (e, por vezes, sobreexploração) de recursos geológicos, que acontecem a dois níveis:
-Ao nível da paisagem: explorações a céu aberto, sem que se utilizem estratégias de minimização dos impactes; por exemplo, em pedreiras.
-Ao nível do afloramento: a atividade de extração de material geológico pode destruir objetos como fósseis ou minerais, de grande valor não material, ou ainda, material rochoso de elevado interesse. As extrações podem também ter consequências negativas no que se refere ao decurso normal dos processos naturais, interferindo com o transporte e sedimentação. Indiretamente, as atividades extrativas afetarão, eventualmente, os recursos hídricos, quer superficiais, quer subterrâneos, destruindo fauna e flora locais e interferindo com o equilíbrio dos ecossistemas. Não obstante, no decorrer destes trabalhos já se fizeram importantes descobertas no campo geológico, até aí, desconhecidas.
  • Projetos de obras e estruturas de construção, como barragens, edifícios e estradas. Além de descaracterizarem a paisagem, interferem com o equilíbrio geológico e biológico, com o clima, as águas superficiais e subterrâneas, etc. Muitas vezes, não são devidamente estudadas as repercussões destas construções sobre a geo e bio diversidade.
  • Depósitos de resíduos.
  • Gestão de bacias hidrográficas, para regularização de caudais e prevenção de cheias, que se imiscuem com o curso natural das águas.
  • Florestação, desflorestação e agricultura.
  • Atividades militares: manuseamento de maquinaria pesada e armamento.
  • Atividades recreativas e turísticas: devido à utilização de viaturas motorizadas, ao ruído, à pressão populacional, aos vestígios deixados e possíveis danos causados.
  • Colheita de amostras geológicas para fins não científicos: este aspecto está, muitas vezes, relacionado com o anterior. Trata-se da apropriação individual de um património que é coletivo e insubstituível.
  • Iliteracia cultural: ignorância relativamente à riqueza e diversidade geológicas.

 
Estratégias de Geoconservação
            Segundo Brilha (2005), a necessidade de conservar um dado geossítio, é “igual à soma do seu valor mais as ameaças que o mesmo enfrenta” (2005:51). Num sentido amplo, a Geoconservação dirige-se para a gestão sustentável da diversidade geológica no seu todo. Contudo, em sentido restrito, compreende apenas certos elementos da Geodiversidade, que se destaquem por qualquer razão de peso: raridade, valor científico, etc (ou seja, os geossítios).

Portanto, quando nos reportamos a Estratégias de Geoconservação, importa saber se nos referimos à gestão sustentada dos recursos geológicos, evitando impactes em termos globais, ou tratamos “apenas” o Património Geológico “sinalizado”.

Ora, apresenta-se como tarefa hercúlea e infrutífera, tentar a conservação de toda a diversidade geológica. Portanto, há que deslocar atenções para o Património Geológico, fazer a inventariação dos geossítios, definindo-se detalhadamente, o que pode caber nesta definição e proceder “à quantificação do seu interesse, relevância e vulnerabilidade” (Brilha, 2005:53). As áreas de interesse geológico, são as que possuem uma elevada concentração de geossítios, ou seja, mais de dez por km2.

Brilha (2005), considera que, embora o Património Geológico englobe, da mesma maneira, o Património Paleontológico, o Património Mineralógico, o Património Geomorfológico, o Património Petrológico e o Património Hidrogeológico, terminologia diversificada é desaconselhada fora dos círculos científicos, uma vez que, dispersa as atenções gerais da necessidade de defender igualmente, todos estes “patrimónios” geológicos.

Como sucede com a biodiversidade, tendemos também, a considerar os recursos geológicos numa perspetiva marcadamente antropocêntrica, ou seja, segundo a sua utilidade para os seres humanos. Têm, contudo, surgido vozes dissonantes, referindo que possuem valor intrínseco, o que, numa abordagem ética e filosófica os torna “dignos” de estatuto ético-moral, legitimando-se a sua conservação e preservação.

Aquando da quantificação do interesse que um geossítio possa ter, há que relevar aspetos como:
  • A sua raridade.
  • Extensão e localização.
  • O grau de conhecimento científico que se possui sobre o local.
  • A utilidade (por exemplo, pedagógica) para ilustrar modelos de processos geológicos.
  • O modo como está associado a elementos culturais, geográficos e naturais.
  • O estado de conservação.

Quanto ao uso potencial do geossítio, há a considerar, sobretudo:
  • Que possibilidades de vislumbram para atividades pedagógicas, científicas, de turismo, entre outras.
  • Condições de acesso e observação, bem como, possibilidade de colheita de objetos geológicos.
  • Proximidade das povoações, nº de habitantes das mesmas e suas condições sócio-económicas.

No que diz respeito aos critérios de necessidade de proteção do geossítio, há a destacar:
  • A situação atual.
  • As ameaças recentes e futuras.
  • A fragilidade.
  • O valor dos terrenos e regime de propriedade.
  • Se o solo servirá para extrações de minério.

O grupo ProGEO- Portugal, membro do The European Association of The Conservation of The Geological Heritage (ProGEO), iniciou em 2001, a primeira inventariação do Património Geológico Português, procurando agregá-lo em categorias temáticas. 


                   Prémio Geoconservação 2012
                         Fonte:http://turismoriomaior.blogspot.pt/

Qualquer estratégia de Geoconservação, tem de ter em conta o enquadramento legal existente, bem como o tipo de classificação que se pretende (local, regional, nacional…). Além disso, deve ainda, tecer cenários previsíveis quanto a perdas e vulnerabilidades.

De qualquer modo, pouco se poderá fazer que surta efeito em termos globais, sem uma devida promoção e valorização do património geológico junto das populações. Os geoparques e o geoturismo podem ser, neste sentido, um bom “cartão de visita”.



 Referências Bibliográficas

-BRILHA, José, (2005), Património Geológico e conservação. A conservação da Natureza na Sua Vertente Geológica, Braga, Palimage Editores. ISBN: 972-8575-Disponível em http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?id=2371861. Consultado a 09-05-2012
-Diversity in Nature, Nordic Council of Ministers, (s.d.). Disponível em http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?id=2321801. Consultado a 10-05-2012
-ProGEO Portugal. Disponível em http://www.progeo.pt/progeo_pt.htm. Consultado a 10-05-2012
-Terra e Vida-As Origens da Diversidade, Planeta Terra-Ciências da Terra para a Sociedade 2007-2009 (2007), José Brilha (coord.), Comissão Nacional da Unesco. Disponível em http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?id=2321871. Consultado a 10-05-2012

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