Regresso
Regresso às fragas de onde me
roubaram.
Ah! Minha serra, minha dura
infância!
Como os rijos carvalhos me
acenaram,
Mal eu surgi, cansado, na
distância!
Cantava cada fonte à sua porta:
O poeta voltou!
Atrás ia ficando a terra morta
Dos versos que o desterro
esfarelou.
Depois o céu abriu-se num
sorriso,
E eu deitei-me no colo dos
penedos
A contar aventuras e segredos
Aos deuses do meu velho paraíso.
Miguel Torga (Diário VI)
A diversidade
geológica está presente à nossa volta, mas por vezes, não reparamos nela. A
nossa própria vida, é possibilitada a partir de recursos e oportunidades que a
geodiversidade nos permite (Nordic Council of Ministers, s.d.). Para além do
interesse económico, recreativo ou de uso (por exemplo, dos solos), é curiosa a
relação que, tradicionalmente, as populações estabeleciam com as suas serras,
fragas, penedos, e as representações sociais e culturais daí decorrentes, tão
bem retratadas em obras de autores como Miguel Torga ou Vergílio Ferreira.
A
geodiversidade permite-nos conhecer, compreender e explicar as variações que
encontramos nas rochas, depósitos superficiais, formas terrestres e processos
geológicos complexos, que têm lugar na camada mais superficial do nosso
planeta: a Crosta Terrestre. Deste modo, as Ciências da Terra, não se
restringem à Geologia, mas englobam também, a Geomorfologia, a Meteorologia, a
Climatologia, Hidrologia e Oceanografia (Diversity in Nature, s.d.).
A diversidade
biológica serve de substrato a grande parte de espécies vivas. Assim, partindo
da constatação de interações entre os processos biológicos e os geológicos e
físico-químicos, a Geobiologia apresenta-se como área de integração entre os
organismos e seus processos metabólicos, em combinação com vários parâmetros
abióticos. Consequentemente, a Geobiologia, estabelece uma abordagem relacional
entre as Ciências Biológicas e as Ciências da Terra. (Comissão Nacional da
UNESCO, 2007).
Ameaças à Geodiversidade
Uma vez que a
diversidade geológica é muitas vezes menos considerada do que a diversidade
biológica, algumas pessoas podem não estar tão sensibilizadas para o que a
ameaça e para a necessidade de preservá-la.
Enquanto algumas dessas ameaças
são diretas, outras são indiretas: (Brilha, 2005)
- Perda total de um elemento de geodiversidade, ou perda parcial, ou dano físico.
- Fragmentação do interesse (comummente, alguns sítios apresentam-se como “mais interessantes” do que outros).
- Perda de visibilidade e/ou perda de acesso.
As ameaças mais frequentes são:
- Poluição.
- Exploração (e, por vezes, sobreexploração) de recursos geológicos, que acontecem a dois níveis:
-Ao nível
da paisagem: explorações a céu aberto, sem que se utilizem estratégias de
minimização dos impactes; por exemplo, em pedreiras.
-Ao nível
do afloramento: a atividade de extração de material geológico pode destruir
objetos como fósseis ou minerais, de grande valor não material, ou ainda,
material rochoso de elevado interesse. As extrações podem também ter
consequências negativas no que se refere ao decurso normal dos processos
naturais, interferindo com o transporte e sedimentação. Indiretamente, as
atividades extrativas afetarão, eventualmente, os recursos hídricos, quer superficiais,
quer subterrâneos, destruindo fauna e flora locais e interferindo com o
equilíbrio dos ecossistemas. Não obstante, no decorrer destes trabalhos já se
fizeram importantes descobertas no campo geológico, até aí, desconhecidas.
- Projetos de obras e estruturas de construção, como barragens, edifícios e estradas. Além de descaracterizarem a paisagem, interferem com o equilíbrio geológico e biológico, com o clima, as águas superficiais e subterrâneas, etc. Muitas vezes, não são devidamente estudadas as repercussões destas construções sobre a geo e bio diversidade.
- Depósitos de resíduos.
- Gestão de bacias hidrográficas, para regularização de caudais e prevenção de cheias, que se imiscuem com o curso natural das águas.
- Florestação, desflorestação e agricultura.
- Atividades militares: manuseamento de maquinaria pesada e armamento.
- Atividades recreativas e turísticas: devido à utilização de viaturas motorizadas, ao ruído, à pressão populacional, aos vestígios deixados e possíveis danos causados.
- Colheita de amostras geológicas para fins não científicos: este aspecto está, muitas vezes, relacionado com o anterior. Trata-se da apropriação individual de um património que é coletivo e insubstituível.
- Iliteracia cultural: ignorância relativamente à riqueza e diversidade geológicas.
Estratégias de Geoconservação
Segundo
Brilha (2005), a necessidade de conservar um dado geossítio, é “igual à soma do
seu valor mais as ameaças que o mesmo enfrenta” (2005:51). Num sentido amplo, a
Geoconservação dirige-se para a gestão sustentável da diversidade geológica no
seu todo. Contudo, em sentido restrito, compreende apenas certos elementos da
Geodiversidade, que se destaquem por qualquer razão de peso: raridade, valor
científico, etc (ou seja, os geossítios).
Portanto, quando nos reportamos a
Estratégias de Geoconservação, importa saber se nos referimos à gestão
sustentada dos recursos geológicos, evitando impactes em termos globais, ou
tratamos “apenas” o Património Geológico “sinalizado”.
Ora, apresenta-se como tarefa hercúlea
e infrutífera, tentar a conservação de toda a diversidade geológica. Portanto,
há que deslocar atenções para o Património Geológico, fazer a inventariação dos
geossítios, definindo-se detalhadamente, o que pode caber nesta definição e
proceder “à quantificação do seu interesse, relevância e vulnerabilidade”
(Brilha, 2005:53). As áreas de interesse geológico, são as que possuem uma
elevada concentração de geossítios, ou seja, mais de dez por km2.
Brilha (2005), considera que,
embora o Património Geológico englobe, da mesma maneira, o Património
Paleontológico, o Património Mineralógico, o Património Geomorfológico, o
Património Petrológico e o Património Hidrogeológico, terminologia
diversificada é desaconselhada fora dos círculos científicos, uma vez que, dispersa
as atenções gerais da necessidade de defender igualmente, todos estes
“patrimónios” geológicos.
Como sucede
com a biodiversidade, tendemos também, a considerar os recursos geológicos numa
perspetiva marcadamente antropocêntrica, ou seja, segundo a sua utilidade para
os seres humanos. Têm, contudo, surgido vozes dissonantes, referindo que
possuem valor intrínseco, o que, numa abordagem ética e filosófica os
torna “dignos” de estatuto ético-moral, legitimando-se a sua conservação e
preservação.
Aquando da quantificação do
interesse que um geossítio possa ter, há que relevar aspetos como:
- A sua raridade.
- Extensão e localização.
- O grau de conhecimento científico que se possui sobre o local.
- A utilidade (por exemplo, pedagógica) para ilustrar modelos de processos geológicos.
- O modo como está associado a elementos culturais, geográficos e naturais.
- O estado de conservação.
Quanto ao uso potencial do
geossítio, há a considerar, sobretudo:
- Que possibilidades de vislumbram para atividades pedagógicas, científicas, de turismo, entre outras.
- Condições de acesso e observação, bem como, possibilidade de colheita de objetos geológicos.
- Proximidade das povoações, nº de habitantes das mesmas e suas condições sócio-económicas.
No que diz respeito aos critérios
de necessidade de proteção do geossítio, há a destacar:
- A situação atual.
- As ameaças recentes e futuras.
- A fragilidade.
- O valor dos terrenos e regime de propriedade.
- Se o solo servirá para extrações de minério.
O grupo ProGEO- Portugal, membro
do The European Association of The Conservation of The Geological Heritage
(ProGEO), iniciou em 2001, a
primeira inventariação do Património Geológico Português, procurando agregá-lo
em categorias temáticas.
Prémio Geoconservação 2012
Fonte:http://turismoriomaior.blogspot.pt/
Qualquer estratégia de
Geoconservação, tem de ter em conta o enquadramento legal existente, bem como o
tipo de classificação que se pretende (local, regional, nacional…). Além disso,
deve ainda, tecer cenários previsíveis quanto a perdas e vulnerabilidades.
De qualquer modo, pouco se poderá
fazer que surta efeito em termos globais, sem uma devida promoção e valorização
do património geológico junto das populações. Os geoparques e o geoturismo
podem ser, neste sentido, um bom “cartão de visita”.
Referências Bibliográficas
-BRILHA, José, (2005),
Património Geológico e conservação. A conservação da Natureza na Sua Vertente
Geológica, Braga, Palimage Editores. ISBN: 972-8575-Disponível em http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?id=2371861.
Consultado a 09-05-2012
-Diversity in Nature, Nordic Council of Ministers, (s.d.). Disponível em http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?id=2321801.
Consultado a 10-05-2012
-ProGEO Portugal. Disponível
em http://www.progeo.pt/progeo_pt.htm.
Consultado a 10-05-2012
-Terra e Vida-As Origens da
Diversidade, Planeta Terra-Ciências da Terra para a Sociedade 2007-2009 (2007),
José Brilha (coord.), Comissão Nacional da Unesco. Disponível em http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?id=2321871.
Consultado a 10-05-2012
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